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De uma infância esquecida

10 fevereiro 2011 Um comentário

Por Lilah Bianchi

“O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um coro, ele muda o comportamento dele. Olha, eu vejo muita gente por aí dizendo: ainda bem que eu levei umas palmadas, meu pai me ensinou a ser homem”.

Jair Bolsonaro, Deputado Federal

“Ele é gay. E foge de casa para se drogar, como mãe tenho que fazer o que é melhor para ele”

Cristina Mortágua, tentando justificar agressões ao filho de 16 anos

O tema é complexo. Sensível para alguns. Tabu para muitos. Mas gays não nascem aos 18 anos. Não fazem uma escolha consciente quando chegam a idade legal de consentimento. Eu acredito que gays nascem gays. E a ciência em grande parte concorda comigo. E assim como a sexualidade hétero não aflora aos 18 anos, a sexualidade gay também não. E quando eu falo de sexualidade que fique claro que não falo de atos sexuais, mas de tudo que a envolve: a descoberta do corpo, as brincadeiras, atração, identidade de gênero e etc.

E é nesse período de descoberta que os primeiros conflitos familiares costumam surgir. O menino afeminado que se recusa a jogar futebol, a menina que foge para andar com meninos e não quer usar o vestido, as reclamações da escola porque ele não se encaixa, os comentários maliciosos dos amigos e parentes, as cobranças. E não raro, explodem em violência física e psicológica.

O caso Mortágua (leia sobre o caso aqui) não é, infelizmente, uma exceção. Meninos e meninas homossexuais são oprimidos todos os dias, agredidos muitas vezes sem nem saber porque. Lembro de uma cena que assisti num shopping alguns anos atrás. Um menino de talvez 3 ou 4 anos no máximo, estava brincando na área de lazer e se aproximou de duas garotinhas que ninavam bonecas. Ele pegou uma das bonecas que estava no carrinho e imitou as meninas, ninando. Minutos depois, um homem visivelmente irritado, provavelmente o pai do menino, se aproximou, agarrou a boneca e arrancou dos braços do menino com violência. O menino, assustado, começou a chorar e ainda levou uma palmada por estar “fazendo escândalo”.  Esse garotinho, do alto dos seus 3 anos, não tinha nem ideia do que havia feito de tão errado para ser repreendido dessa forma.

Com o passar do tempo, aos 10 ou 12 anos, quando a descoberta da sexualidade se impõe para héteros e homossexuais, esses conflitos podem ter tornado impossível a convivência. Na maioria das vezes, esses adolescentes vão fazer suas descobertas envoltas em muito medo e repulsa. Foram ensinados, desde muito pequenos, que existe algo errado em ser como são. Tiveram sua auto estima destruída por seguidas punições que não conseguiam nem entender a causa. Essa repulsa pode ficar tão grande e complexa que muitos vão levar anos para se aceitar, vivendo relações vazias, se auto sabotando ou mesmo caindo no abuso de alcool e drogas.

As pessoas nascem gays ou nascem hétero (ou bi) e não tem sobre isso qualquer responsabilidade ou culpa. Não existe nenhuma educação profilática que possa “extirpar” isso da personalidade delas. Ao agredir um filho, física ou psicologicamente, por que ele é gay, você não está resolvendo nada, mas comunicando a ele que existe algo errado com quem ele é. E essa traição do amor que deveria ser incondicional é uma ferida que dificilmente se fecha, as marcas de uma infância violenta e do abuso são cicatrizes que podem influenciar todas as escolhas que essa criança fará, quando for um adulto. O abuso ensina que não se pode confiar em ninguém. E essa é uma lição difícil de ser esquecida.

*Na foto, Lucas, meu filho, com 2 anos de idade. Ele segura o robe de veludo vermelho da avó. Ele tinha uma atração absurda por esse robe e aos 4 anos eu o peguei desfilando com ele, mas não tiramos fotos. A história dele e de vários meninos e meninas e de como eles nasceram assim, pode ser lida no site Born This Way Brazil. Vale a pena conferir!

(Saiba mais sobre Lilah Bianchi aqui)

* Os artigos aqui publicados não representam necessariamente a opinião do Pará Diversidade.