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As minorias e o STF

18 agosto 2014 Nenhum comentário

Por Wallace Corbo

No último dia 25 de julho, o Ministério Público Federal apresentou parecer no mandado de injunção nº 4.733 alterando seu posicionamento quanto à possibilidade de criminalização da homofobia e transfobia por via judicial. A ação foi proposta em 2012 pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABLGBT) com o objetivo de criminalizar, com fundamento constitucional, a homofobia e a transfobia — seja pela criação de um tipo penal (crime) específico pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF), seja estendendo a interpretação do crime de racismo para abrigar crimes de ódio direcionados às minorias sexuais.

Em agosto de 2013, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, manifestara-se pelo não cabimento da medida — entendimento que foi seguido pela decisão proferida em outubro de 2013 pelo ministro Ricardo Lewandowski. Após a interposição de recurso pela ABLGBT contra essa decisão, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sucessor de Gurgel, apresentou parecer em sentido diametralmente oposto, em defesa da criminalização proposta pela ABLGBT. A toda evidência, caberá ao plenário do Supremo Tribunal Federal decidir a questão, que pode tornar-se o próximo grande debate constitucional acerca dos direitos das minorias.

A discussão levanta duas importantes constatações quanto ao funcionamento da democracia brasileira.

A primeira é a constatação de que, nos últimos dez anos, as minorias marginalizadas descobriram no Judiciário uma via possível de efetivação de seus direitos. Essa busca por proteção em sede judicial decorre do que se pode entender como uma crise dos direitos fundamentais nas instâncias majoritárias — o contexto brasileiro é atualmente marcado por um Legislativo engessado pela influência de grupos fundados sobre um discurso moral intransigente, ao passo que o Executivo, jogando o jogo do presidencialismo de coalizão brasileiro, evita posicionar-se em relação aos direitos fundamentais de minorias sexuais, raciais e de gênero.

A segunda constatação é a de que o Poder Judiciário e as instituições que exercem funções essenciais à Justiça têm correspondido, em maior ou menor medida, aos anseios desses grupos marginalizados. Julgamentos como os que declararam a constitucionalidade da interrupção da gestação do feto anencefálico, da política de ações afirmativas em universidade públicas e da união estável homoafetiva confirmam essa hipótese. Da mesma forma, a mudança no posicionamento do Ministério Público Federal no mandado de injunção nº 4.733 revela o crescente compromisso desta instituição com a proteção dos direitos de grupos marginalizados.

Não faltam vozes críticas à atuação do STF e das instituições que buscam pela via judicial a efetivação de direitos de minorias — sustentam, por exemplo, a violação à democracia, a usurpação do papel do Congresso, a falta de capacidade institucional do Judiciário para decidir sobre questões morais complexas, tudo sob o manto de um supostamente indesejável ativismo judicial. Mas há motivos para voltar atrás?

Parece irrazoável debater se o Judiciário é ou não a melhor sede para a defesa destes grupos marginalizados quando, na prática política brasileira, trata-se da única sede possível para a proteção efetiva desses direitos. Se o STF por vezes avança menos do que deveria quando atua nesse papel, ou se eventualmente atua de maneira insatisfatória, ainda assim caminha — bem — no sentido oposto ao das instâncias majoritárias que, longe de restarem inertes, têm buscado efetivamente inviabilizar as reivindicações de mulheres, homossexuais, transexuais, negros, índios e outros grupos vulneráveis, transformando direitos fundamentais em moeda de barganha política.

Wallace Corbo é advogado.

Fonte: O Globo – Opinião

* Os artigos aqui publicados não representam necessariamente a opinião do Pará Diversidade.