Chiquita é barrada como patrimônio cultural de Belém ligado ao Círio

Chiquita é excluída de lei que torna Círio patrimônio cultural de Belém (Foto: Tarso Sarraf – Arquivo)
Chiquita Bacana foi uma personagem famosa das marchinhas de Carnaval. Aqui no Pará, a famosa “Chiquita Bacana” que “só faz o que manda seu coração”, existencialista e rebelde, ganhou “filhas”. Foi assim que surgiu, na década de 1970, a festa “Filhas da Chiquita”, também chamada popularmente de “Festa da Chiquita”, criada como uma celebração profana paralela ao Círio de Nossa Senhora de Nazaré, mas quase sempre envolta em polêmicas com a diretoria da festa religiosa, por acontecer logo depois da passagem da imagem da santa durante a procissão da Trasladação.
Em 2004, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) incluiu a Festa da Chiquita no processo de tombamento do Círio como patrimônio imaterial da humanidade, por considerar que o Círio de Nazaré é fruto de uma relação entre o sagrado e o profano, elementos que não são opostos, mas que se entrelaçam muitas vezes de maneira imperceptível.
Mas este mês, um projeto de lei foi apresentado na Câmara Municipal de Belém propondo que o Círio seja reconhecido como patrimônio cultural da cidade.
Diferente da ideia do Iphan, o projeto do vereador Victor Cunha (PTB), no entanto, só englobava as procissões do calendário oficial da festividade. O adendo que incluiu outras manifestações como o Auto do Círio e a Festa da Chiquita no projeto veio por parte da vereadora Sandra Batista (PCdoB).
No entanto, um veto do prefeito Zenaldo Coutinho excluiu a Festa da Chiquita do texto final. O projeto de lei foi aprovado no último dia 15, incluindo a romaria rodoviária, a romaria fluvial, a Trasladação, a procissão do Círio, a romaria do Recírio, a berlinda, os carros que participam da procissão, a corda dos promesseiros e o Auto do Círio.
Na mensagem de justificativa aos vereadores, Zenaldo Coutinho argumenta que não considera a Festa da Chiquita “elemento integrante das festividades religiosas, pois não faz parte da programação oficial do Círio. O fato de ser uma festa tradicional, e que ocorre às vésperas da maior procissão da cidade, não a faz elemento essencial do Círio”, diz o texto do veto.
A vereadora Sandra Batista discorda. Para ela, a Chiquita faz parte do Círio e deve ser tratada como uma manifestação cultural de cunho social e antropológico. “O Círio não é só uma manifestação religiosa, ele tem seu caráter profano e a Chiquita deve ser respeitada como a expressão de um povo, assim como o Auto do Círio”, opina.
Na opinião da vereadora, existe uma onda conservadora na Câmara Municipal que fez com que a proposta desde o início excluísse a festa por conta de um sentimento homofóbico. “Se a ideia fosse transformar o Círio em patrimônio religioso, eu não falaria nada, mas quando se fala em patrimônio cultural, se englobam mais coisas. Lamento muito que o prefeito tenha tido essa concepção preconceituosa”, desabafa Sandra.
A reportagem não conseguiu falar com o vereador Victor Cunha, autor do projeto, sobre a exclusão.
As tensões em torno da Chiquita não são novidade. Esse foi um dos temas, inclusive, que permeou o documentário “As Filhas da Chiquita”, de Priscilla Brasil. Identificada ao longo dos anos como um ato de resistência do movimento LGBTIQ (Lésbicas, Gays, Bis, Transgêneros, Intersexs e Queers), a festa enfrenta reações de quem acredita que ela destoa do clima do Círio.
Para o organizador da festa, o cantor Eloi Iglesias, a maior motivação é o preconceito. O mesmo motivo apontado por ele para a Festa da Chiquita ter ficado de fora da lei que reconhece o Círio de Nazaré como patrimônio cultural de Belém.
“Mesmo que seja um momento em que o Papa esteja tentando agregar todos, a Igreja daqui continua muito conservadora. Além de fomentar o ódio entre as pessoas, estamos retrocedendo. Estamos sendo crucificados diariamente, falta tolerância e respeito com o diferente” afirma Eloi.
E minimiza o veto. “A gente está no registro mais importante, feito pelo Iphan, um órgão sério de pesquisa. Esse tombamento da prefeitura não é sério, não tem assinatura de um historiador, não teve debate, foi uma ação de cima para baixo”, diz o cantor, que acredita que não foi levado em conta que o Círio não é apenas uma manifestação religiosa.
O DIÁRIO procurou a Diretoria da Festa do Círio de Nazaré para comentar a questão, mas nenhum representante quis se manifestar, alegando que não haveria o que falar sobre o assunto, já que a Chiquita não faz parte da programação oficial da festa religiosa.
Fonte: Diário OnLine