Pesquisa revela: 85% dos homens trans não procuram serviços de saúde pela transfobia
Não é raro encontrar depoimentos de homens trans que foram desrespeitados em sua identidade ao procurarem atendimento médico. Recentemente, o militante Luciano Medeiros declarou ao NLUCON que uma médica o obrigou a ficar nu por não acreditar que ele é um homem trans. E disse que muitos profissionais de saúde sequer sabem o que é transexualidade ou como lidar com pacientes trans.
Diante da transfobia institucional e da invisibilização da comunidade trans, uma pesquisa chamada “Transexualidades e Saúde Pública no Brasil”, que tem o recorte de homens trans ou transmasculinos, revela que 85% desta população evita procurar serviços de saúde, mesmo quando precisam.
Dentre os entrevistados, 50% informaram por meio de um teste de múltipla escolha que evitam atendimento médico por medo de sofrerem preconceito, discriminação ou outro tipo de violência por serem trans. Ou seja, que a transfobia dos profissionais seja um entrave para cuidar da saúde, como já aconteceu com 23,8% dos entrevistados. E com 30,77%, que tiveram seus nomes sociais desrespeitados.
Isso ocorre mesmo com 57,1% possuindo convênio médico ou plano de saúde; e 42,9% ficando nas mãos do serviço de saúde pública. Em todos os casos, há relatos de desrespeito e transfobia.
DEPRESSÃO E GINECOLOGISTA
O relatório “Entre a Invisibilidade e a Demanda Por Políticas Públicas Para homens Trans” foi feito pelo Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH-UFMG) e pelo Departamento de Antropologia e Arqueologia (DAA-UFMG). E teve foco na população de homens trans ou transmasculinos de 18 a 37 anos da regiões de Belo Horizonte, São Paulo e Campinas.
A pesquisa busca ampliar o entendimento sobre a questão do acesso à saúde pela população trans, as demandas, e o contexto demarcado pela invisibilização social, política e violências institucionais. Para isso, ela também faz um corte transversal que teve como objetivo traçar um perfil dos homens trans, seja pelas características sociodemográficas, escolaridade, família, religião, trabalho, estudo, transformações no corpo… Todos os dados podem ser vistos aqui.
A pesquisa revela, por exemplo, como homens trans lidam com exames ginecológicos: 35,6% deles declaram não precisar de atendimento, por isso não procuraram; 28,6% declararam não irem ao ginecologista por se sentirem constrangidos; 10,7% declaram não ter procurado o ginecologista; 10,7% nunca fizeram o papanicolau/preventivo.
Referente ao HIV/Aids, 88,9% dos homens trans/transmasculinos alegaram não ter o vírus; 7,4% não sabem se tem hiv/aids e 3,7% declarou ter hiv/aids e fazer acompanhamento.
Dos que não fazem exames regularmente de DSTs, 62,5% não julgam necessário, 37,5% por não quererem se submeter a exame ginecológico, 8,33% por terem parceira fixa, 4,17% por não ter mantido relações sexuais no período, e 4,17% por não ter tido acesso ao serviço público de saúde.
Setenta e um por cento dos entrevistados declaram também terem tido ou ter depressão, sendo que 32,1% alegou fazer tratamento e 17,9% deixaram de fazer o acompanhamento.
HORMÔNIOS E MODIFICAÇÕES
Pelas respostas, pode-se observar que o sistema de saúde pública é avaliado, pela maioria, como insuficiente frente às suas demandas. E há críticas ao Processo Transexualizador do SUS, “tanto pela morosidade do mesmo, quanto pelo acompanhamento psicológico compulsório”.
Parte desta população faz acompanhamento via plano de saúde ou convênio, mas nem mesmo assim há garantia de respeito pleno ou entendimento das demandas. Quem enfrenta problemas econômicos muitas vezes aciona a automedicação, que fragiliza e vulnerabiliza ainda mais.
Do grupo, 37,04% declararam não ter tentado realizar o processo transexualizador pelo SUS, apesar de desejar; 25,93% declararam ter tentado realizar o processo, porém não ter obtido sucesso; 22,22% declararam ter preferido o atendimento particular; 14,81% declararam ter conseguido realizar o processo transexualizador pelo SUS.
Ao falarem sobre o uso de hormônios masculinos – que auxiliam nas mudanças corporais desejadas – 57% declararam perceber efeitos colaterais negativos decorrentes do tratamento hormonal; 35,71 declararam não perceberem os efeito negativos; 7,14% assinalou a opção “não sei”.
Dentre as pessoas que fazem uso de hormônios, 22,22% declararam nunca ter procurado atendimento médico por precisar de laudo e ser demorado.
O relatório aponta que as informações sobre hormônios são obtidas pelos homens trans por meio da internet (69,23%), colegas (15,38%), por meio do serviço de saúde particular (7,69%) e público (7,69%).
CIRURGIAS
As mais procuradas são a mamoplastia masculinizadora (cirurgia plástica reconstrutiva que transforma a mama feminina em masculina), em que 76,92% declararam não ter realizado a cirurgia, mas ter intenção de fazê-la; a histerectomia total (retirada de todos os órgãos reprodutivos internos), em que 80,77% declararam não ter realizado a cirurgia, mas ter a intenção; a metoidioplastia (construção de neopênis a partir do clitóris), em que 53,80% declararam não ter realizado a cirurgia, mas ter a intenção; e a escrotoplastia (criação de testículos a partir de próteses de silicone), em que 50% alegou não ter feito, mas ter a vontade de passar pelo procedimento.
VULNERABILIDADE E VISIBILIDADE
A pesquisa destaca a condição de vulnerabilidade dos homens trans e sua invisibilização pelo poder público. Aponta também para a falta de acolhimento, não reconhecimento do nome social por agentes e profissionais de saúde, falta de atenção e de conhecimento de suas demandas por parte dos profissionais, além da condição patológica em que suas experiências são interpretadas.
“Nesse sentido, a proposta da atenção integral à saúde precisa, sim, ser garantida de forma suficiente pelo Estado. Contudo, o atendimento e a integralidade do cuidado não devem envolver apenas eficiência e humanização nos serviços de acordo com o ponto de vista do Estado e dos profissionais envolvidos. De fato, a atenção integral à saúde precisa atender às demandas de forma que respeite as perspectivas, as expectativas, os desejos e o lugar de fala das pessoas trans”, dizem as considerações finais do relatório.
O contato dos pesquisadores com o grupo ocorreu por meio das redes sociais e páginas no Facebook específicas. O questionário esteve disponível entre 25 de janeiro e 30 de julho de 2015. Trata-se de uma das primeiras pesquisas com esta população no Brasil, que dá o primeiro panorama do grupo, promete visibilizar e ajudar no atendimento respeitoso, digno e que atenda as necessidades. Afinal, é por meio de tais dados que se pode entender, planejar e cobrar políticas públicas e campanhas para esta população.
Você pode acessar e conferir outros dados clicando aqui.
Fonte: NLucon