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Políticas públicas voltadas a LGBTs abrem caminho para a cidadania

21 maio 2016 Nenhum comentário

Algumas pessoas têm aversão a certos animais, outras a lugares e objetos. O problema é que tem gente com aversão a gente, por conta da orientação sexual ou identidade de gênero. É a já conhecida homofobia, agora denominada LGBTfobia, termo que abrange todos os segmentos da sigla LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). A questão não afeta apenas a integridade física e psicológica de quem sofre com piadas de mau gosto, agressão e outros tipos de violência; atinge a dignidade humana e o direito de ser feliz.

No dia 17 de maio, data que marca a luta mundial contra a LGBTfobia, foi realizado em Belém o Workshop de Políticas Públicas voltadas a gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. O evento foi organizado pelo Comitê Estadual de Combate à Homofobia, na Delegacia-Geral da Polícia Civil no estado do Pará. Houve emissão de carteiras de identidade social para travestis e transexuais, e de identidade civil para todo o público LGBT. Aliás, a carteira de identidade social está entre as principais conquistas do movimento LGBT para garantir a afirmação de direitos no estado.

Nome Social – O Pará foi o primeiro estado brasileiro a assegurar a substituição do registro geral pela carteira de nome social para pessoas transgêneras. A medida garante a validade do documento em todo o estado e o tratamento nominal em órgãos e entidades do poder executivo. Para a transexual Bárbara Pastana, a política do nome social tira da invisibilidade transexuais e travestis ao garantir o direito de serem tratados pela forma como se identificam. “Antes da carteira social, havia todo tipo de preconceito por conta da discriminação e pelo indivíduo não saber tratar o próximo. É um ganho para essa população que, por décadas, viveu marginalizada, discriminada, na escuridão na sociedade, que é hipócrita, machista e racista”.

Apesar da conquista, deputados de dez partidos protocolaram na última quarta-feira (18) o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 395/16, para sustar o ato da presidenta afastada Dilma Rousseff que reconhece o uso do nome social de transexuais e travestis nos órgãos da administração federal pública direta e indireta, assinado no mês passado. De autoria do parlamentar João Campos (PRB-GO), o pedido aguarda a decisão do presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), que deve orientar para quais comissões encaminhar a proposta antes de ser apreciada em plenário.

O deputado João Campos é presidente da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso. Em 2011, protocolou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 234/11, que propunha tratamento psicológico para “reverter” a orientação sexual de pacientes homossexuais, a chamada “cura gay”. A proposta suspendia a aplicação do parágrafo único do art. 3º, e do art. 4º de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação aos homossexuais, vetando que esses profissionais lidem com as homossexualidades como patologia. O projeto chegou a ser aprovado em 2013 pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias, mas foi arquivado no mesmo ano, após o próprio autor solicitar que o pedido fosse retirado de tramitação. Em 2014, o projeto voltou a ser discutido na Câmara a pedido do deputado Pastor Eurico (PSB-PE), sendo arquivado dois meses depois por solicitação do partido.

Segurança – Segundo o professor de Ciência Política João Augusto dos Santos, responsável pela Gerência de Proteção à Livre Orientação Sexual (GLOS), vinculada à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Pará, o estado é o primeiro a garantir visita íntima para casais homossexuais nas penitenciárias e a oferecer espaços de vivências nas celas do sistema de segurança pública. Às mulheres transexuais e travestis é permitido ainda permanecer com os cabelos longos, que antes eram cortados quando elas eram enviadas às celas.

O público LGBT também conta com uma delegacia especializada no atendimento a grupos minoritários. Em 2011, foi criada a Delegacia de Crimes Discriminatórios e Homofóbicos, vinculada à DAV – Diretoria de Atendimento a Grupos Vulneráveis. Além dos crimes de injúria racial e de natureza homofóbica, a delegacia também recebe denúncias de crimes cometidos contra pessoas com deficiência e vítimas do tráfico interno de seres humanos, um problema que atinge principalmente jovens do sexo masculino moradores da periferia.

A delegada Hildenê Falqueto assumiu o comando da delegacia há três meses e conta que uma das metas é difundir a atuação do órgão para que a população vulnerável saiba a quem recorrer caso seja vítima de algum crime. “Aqui elas têm os seus direitos resguardados e um atendimento mais humanizado. Em algumas situações, as pessoas que sofrem esse tipo de preconceito não buscam a delegacia comum porque têm medo de serem ridicularizadas. Por isso existe uma delegacia especializada”, explica.

Entre os anos de 2013 a 2015, foram registradas 69 ocorrências de cunho homofóbico. Os números refletem a falta de informação sobre os serviços prestados pela delegacia. As consequências, no entanto, são imensuráveis para quem sofre. Cabeleireira há 22 anos, a transexual Renata Andrade conta que já sofreu bastante por causa do preconceito. “Em feiras livres, eu cheguei a ser agredida várias vezes pelo simples fato de viver numa sociedade heteronormativa que me achava diferente e que não me considerava parte dela. Uma vez apanhei tanto que quando acordei, já estava no Pronto Socorro”.

A violência contra o público LGBT atinge mais travestis e transexuais e até quem não faz parte dessa população. Segundo informações do Grupo Gay da Bahia (GGB), cujos dados são atualizados no site Quem a homotransfobia matou hoje?, das 318 pessoas que morreram no Brasil, em 2015, vítimas de crime motivado pela LGBTfobia, 119 eram travestis e transexuais. O levantamento aponta ainda que aproximadamente 22 heterossexuais morreram por terem sido confundidos com gays e ao menos outros três eram amantes de travestis. A transexual Bárbara Pastana revela que a característica mais triste desse tipo de violência é o requinte de crueldade com o qual ela é praticada. “A travesti não tem nem o direito de morrer de forma digna para que seu corpo possa estar apresentável no velório”, afirma.

 Texto: Lidyane Albim (Rádio Web UFPA)

Imagem: Reprodução/Google

Fonte: Rádio Web UFPA