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Psicóloga Lyah Corrêa aborda a relação entre instituições de ensino e transexuais em Belém

20 agosto 2016 Nenhum comentário

Escolas ainda não funcionam como ambientes acolhedores para estudantes transexuais. (Foto: Fábio Rodrigues)

Por Lyah Corrêa

Entender a questão das identidades trans a partir do viés da garantia de direitos e cidadania, e não por uma perspectiva unicamente biologizante e patologizante, é uma tarefa árdua em uma sociedade marcada pelo binarismo de gênero. E é grande a dificuldade de propor debates diários dentro de instituições sociais (família, escola, trabalho) cuja a resistência em lidar com sujeitos que subvertem lógicas de gênero é imensa.

Quando o assunto é a relação entre identidades trans e instituição escolar, os “shows de horrores” presenciados assumem dimensões tão nefastas que vão desde a negação de direitos de ir e vir, como uma simples “ida ao banheiro”, passando pela negação do nome social, até chegar a um “convite subjetivo” de retirada da pessoa trans da escola.

A Constituição Brasileira de 1988 afirma em seu Artigo 6º que a educação é um direito de todos e todas e que condições para acesso e permanência escolar devem ser garantidas pelo Estado. No entanto, convivemos com uma taxa alta de evasão escolar, principalmente entre mulheres trans e travestis. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) , 90% das mulheres trans e travestis estão na prostituição. Muitas não pelo viés da escolha, mas como única possibilidade de vida. A isso, inclui-se toda uma gama reducionista de análise ao não perceber o caráter social deste debate. Muitas mulheres trans e travestis, por exemplo, não conseguem visualizar as escolas enquanto um local de pertencimento e as abandonam.

Em Belém vigora desde 2008 a portaria nº 016/2008, que estabelece a utilização do nome social na rede pública de ensino visando à garantia de cidadania e direitos humanos relacionados à população LGBT, em especial ao segmento de pessoas trans. Porém, fazer valer na prática essa garantia no âmbito escolar é uma luta diária, pois implica no reconhecimento das identidades de gênero fora do paradigma binário, sexista e, acima de tudo, olhar o outro enquanto cidadão.

É importante ressaltar também o retrocesso atual acerca da questão de gênero e diversidade sexual dentro da esfera escolar, principalmente quando se difunde a ideia de “ideologia de gênero” como uma maneira perversa de anular a própria escola enquanto um espaço democrático de debate sobre as diferenças. O que se percebe é o reforçamento das marginalizações, das segregações daqueles considerados “inferiores”.

Problematizar diariamente esta questão é perceber inicialmente os discursos envolvidos em toda essa rede que envolve preconceitos e discriminações que são naturalizados e reforçados pelas demais instituições sociais e validados pelo Estado. Abre-se, então, um leque de discussão envolvendo exclusão social e direitos humanos. Isso significa refletir sobre um universo muito além de condutas comportamentais e de gêneros considerados imutáveis; é poder entender a multiplicidade de olhares que a temática permite e romper os limites que segregam e invisibilizam as pessoas consideradas diferentes. É “desnaturalizar” as relações desiguais de gênero.

A estrutura educacional ainda reproduz a cultura de segregação dos sexos e gêneros, o que traz, muitas vezes, consequências negativas para a (o) aluna (o) com identidade de gênero destoante da heterossexista, tais como: preconceitos e discriminações, e dificuldade de prosseguir os estudos.

Ambientes não acolhedores e que propagam a segregação são fatores que podem vir a gerar sofrimentos de ordem emocional difíceis de serem superados. Assim, promover a discussão consciente e madura sobre a questão das identidades trans na escola é superar os medos e tabus para, consequentemente, tornar a escola um local para reflexões e práticas de fato transformadoras socialmente.

É necessário o debate amplo acerca dos direitos humanos e isso significa levar em consideração que os indivíduos são plurais e que manifestam suas vivências das mais diversas formas. Isso implica na manifestação plena de suas vontades sem medo de ignorâncias, convencionalismos, limites tiranos. E, nesse sentido, a escola tem um importante papel nesse processo de emancipação do indivíduo, pois tem mecanismos para isso. No entanto, permanece submersa às diretrizes sócio-culturais conservadoras sobre o que vem a ser a educação, enraizadas historicamente.

O respeito à dignidade humana tem que se sobrepor a quaisquer mecanismos de opressão, seja na implementação de leis que garantam a cidadania plena dos indivíduos, seja na consciência de perceber que a educação é um mecanismo próprio para a libertação.

Lyah Corrêa, é psicóloga, ativista transexual e mestranda em Psicologia na Universidade Federal do Pará (UFPA)

Fonte: Outros 400

* Os artigos aqui publicados não representam necessariamente a opinião do Pará Diversidade.